Issue 015 | BRAZIL UPDATE | BRICS+ Declaration and AI. Some toughts.
in English below
As chamadas potências médias como Brasil, Índia, Indonésia, África do Sul podem redefinir o equilíbrio da governança digital global — não como novas superpotências, mas como vetores de complexidade e de pluralidade normativa.
Enquanto a Câmara dos Deputados se prepara para discutir os rumos finais do marco legal da inteligência artificial no Brasil, o país também ocupa uma posição central em um momento geopolítico importante do ano. Na declaração da Cúpula do BRICS+ deste fim de semana, a IA foi elevada ao nível de prioridade estratégica. O parágrafo 16 do comunicado final afirma que a tecnologia representa uma “milestone opportunity” — um ponto de inflexão no desenvolvimento global — e defende uma governança internacional da IA ancorada na ONU, com foco em soberania, acesso inclusivo e capacitação dos países do Sul Global.
Essa linguagem é sintomática de um mundo em transformação. De um lado, a declaração busca garantir que países em desenvolvimento não sejam apenas consumidores passivos de modelos de IA criados no Norte Global. Ela tenta articular uma visão de multipolaridade digital, onde o acesso, a soberania e os valores locais tenham peso real no desenho de normas e infraestruturas. Mas o gesto é bem menos normativo do que estratégico. Trata-se de uma tentativa clara de evitar a cristalização de um regime de IA dominado por players ocidentais, especialmente os Estados Unidos e suas big techs. Trata-se de inserir-se ativamente na formação de uma ordem digital multipolar, com espaço para diferentes trajetórias nacionais. Ainda assim, o gesto tem limites: o BRICS não propõe mecanismos vinculantes nem instituições executivas, apenas sinaliza que o debate está em curso.
A disputa em jogo não se restringe à inovação tecnológica em si, mas à definição de suas regras e estruturas. Quem estabelece os parâmetros técnicos, jurídicos e éticos da IA molda os fluxos de valor, poder e soberania nos próximos anos. Por isso, a retórica sobre multilateralismo precisa ser acompanhada de iniciativas concretas de capacitação, infraestrutura e interoperabilidade, sob risco de permanecer como aspiração retórica.
A referência à ONU, por exemplo, cumpre um papel diplomático relevante, mas carece de instrumentos de coordenação eficaz. Essa aposta em estruturas multilaterais soa mais como uma busca por legitimidade do que como uma alavanca efetiva de coordenação global. A
Assim como no caso da cadeia de semicondutores, a governança da IA será decidida por quem controla dados, modelos e capacidade computacional. Para o Brasil, o desafio é se posicionar de forma realista nesse ecossistema, com capacidade de articulação internacional, mas também com ambição institucional doméstica. O Brasil precisa decidir se será protagonista nesse ecossistema ou espectador das decisões tomadas alhures.
Esse dilema global encontra eco direto no debate interno. O marco legal da IA, em análise no Congresso, precisa equilibrar proteção e estímulo. Como alertou Chris Garman, uma abordagem excessivamente restritiva pode reduzir a capacidade do país de competir ou atrair investimentos. O texto atual do PL 2338/2023, ao priorizar um viés predominantemente regulatório, carece de dispositivos que incentivem a adoção estratégica da tecnologia e sua aplicação em setores-chave da economia.
Esse dilema global encontra eco direto no debate interno. O marco legal da IA, em análise no Congresso, precisa equilibrar proteção e estímulo. Uma abordagem excessivamente restritiva pode reduzir a capacidade do país de competir ou atrair investimentos. O texto atual do PL 2338/2023, ao priorizar um viés predominantemente regulatório, carece de dispositivos que incentivem a adoção estratégica da tecnologia e sua aplicação em setores-chave da economia.
O Brasil, portanto, enfrenta uma dupla responsabilidade: contribuir para o desenho de uma ordem digital mais inclusiva e, ao mesmo tempo, garantir que seu próprio ambiente regulatório seja tecnicamente sólido, juridicamente claro e adaptável à velocidade da inovação. Isso exige resistir à tentação de transformar a regulação em manifesto político, e, em vez disso, ancorá-la em evidências, diagnósticos robustos e capacidade institucional.
A própria hesitação do Brasil em aderir à Nova Rota da Seda e sua postura crítica diante da expansão do BRICS com países de viés antiocidental demonstram um esforço por manter autonomia estratégica. O mesmo princípio deve orientar a política de IA: nem replicar os modelos normativos da Europa, nem se alinhar automaticamente aos interesses de Washington ou Pequim. O Brasil precisa desenvolver um arcabouço regulatório próprio, compatível com seus valores democráticos, sua diversidade social e seu potencial econômico.
O país tem a rara oportunidade de usar seu papel na arena internacional para alavancar um modelo que não seja cópia das soluções norte-americanas ou europeias. Tampouco um espelho das ambições digitais de Pequim.
No fim do dia, a disputa tecnológica entre Estados Unidos e China está remodelando o cenário geopolítico da inteligência artificial, e o Brasil precisará lidar com esse ambiente polarizado com o pragmatismo estratégico que aplica em outros temas. Enquanto o Brasil possui oportunidades decorrentes da sua boa relação comercial com a China e do interesse europeu, sua posição depende da capacidade de equilibrar regulação e inovação.
A competição global por protagonismo em IA será determinada por escolhas concretas sobre infraestrutura, educação, regulação e investimento. O Brasil pode ser um formulador ativo dessa nova ordem. Mas para isso, precisará combinar ambição internacional com responsabilidade institucional em casa.
Nos próximos anos, uma das principais forças moldando a ordem internacional será a ascensão do Sul Global como um verdadeiro vetor de complexidade e pluralismo normativo. Países como Brasil, Índia, Indonésia, África do Sul e Turquia não impõem sozinhos os marcos da governança digital, mas dificultam que qualquer outro o faça sem negociação. É nesse novo tabuleiro que o Brasil deve afirmar sua voz.
___________________________________________________________________
So-called middle powers like Brazil, India, Indonesia, South Africa, and Turkey may not be technological superpowers, but they can reshape the balance of global digital governance, not by imposing their own frameworks, but by adding complexity and normative diversity to the international debate.
As Brazil’s Chamber of Deputies prepares to vote on the country’s artificial intelligence (AI) regulatory framework, the country also finds itself at the center of a key geopolitical moment. In the BRICS+ Summit declaration this past weekend, AI was elevated to a matter of strategic priority. Paragraph 16 of the final communiqué calls AI a “milestone opportunity” for global development and advocates for international governance of the technology anchored in the United Nations, with an emphasis on sovereignty, inclusive access, and capacity-building for the Global South.
This language reflects a world in flux. On one hand, the declaration seeks to ensure that developing countries are not passive consumers of AI models built in the Global North. It articulates a vision of digital multipolarity—one in which access, sovereignty, and local values carry real weight in shaping rules and infrastructure. But the message is more strategic than normative. It’s a clear attempt to prevent the consolidation of an AI governance regime dominated by Western players, particularly the United States and its tech giants. It’s about actively participating in the construction of a multipolar digital order, with space for different national trajectories. Still, the gesture has limits: BRICS is not proposing binding mechanisms or executive institutions—only signaling that the debate is underway.
At stake is not just technological innovation, but who defines its rules and frameworks. Those who set the technical, legal, and ethical standards for AI will shape future flows of value, power, and sovereignty. That’s why the rhetoric of multilateralism must be matched by real investments in capacity-building, infrastructure, and interoperability—otherwise, it risks remaining a symbolic aspiration.
The reference to the UN, for instance, plays a diplomatically useful role, but lacks teeth. Betting on multilateral structures often feels more like a bid for legitimacy than a lever for effective coordination. As with semiconductors, AI governance will be decided by those who control the data, the models, and the computing infrastructure. Brazil must make a realistic choice: to be a protagonist in this ecosystem or a spectator to decisions made elsewhere.
This global dilemma is mirrored in Brazil’s domestic debate. The proposed AI legal framework now before Congress must strike a balance between protection and incentive. As Eurasia Group’s Chris Garman has warned, a framework that leans too heavily on restriction could undermine Brazil’s competitiveness and its ability to attract investment. The current draft of Bill PL 2338/2023 emphasizes regulation but lacks incentives for strategic adoption of AI and its application in key sectors of the economy.
Brazil therefore faces a dual responsibility: to contribute to a more inclusive global digital order and to ensure that its own regulatory environment is technically sound, legally clear, and adaptable to the pace of innovation. This requires resisting the urge to turn regulation into a political manifesto, and instead grounding it in evidence, robust diagnostics, and institutional capacity.
Brazil’s hesitation to join China’s Belt and Road Initiative and its initial opposition to BRICS expansion with more openly anti-Western countries are signs of its desire to maintain strategic autonomy. That same principle should guide its AI policy—not replicating Europe’s regulatory models, nor aligning reflexively with the agendas of Washington or Beijing. Brazil must craft a regulatory framework that reflects its democratic values, social diversity, and economic potential.
This is a rare moment for Brazil to use its international platform to advance a governance model that is neither a copy of the American or European frameworks, nor a mirror of China’s digital ambitions.
Ultimately, the tech rivalry between the U.S. and China is reshaping the geopolitical landscape of AI—and Brazil will have to navigate this polarized environment with the same strategic pragmatism it applies in other arenas. Brazil has real opportunities arising from its strong commercial ties with China and growing interest from the European Union. But its position will depend on its ability to strike the right balance between innovation and regulation.
The global competition for AI leadership will be determined by concrete choices in infrastructure, education, regulation, and investment. Brazil can be an active shaper of this new order. But to do so, it must combine international ambition with domestic institutional responsibility.
In the years ahead, one of the defining forces of global affairs will be the emergence of the Global South as a driver of complexity and normative pluralism. They are increasingly asserting autonomy and pragmatism. They may not unilaterally set the rules of digital governance, but they complicate any attempt to do so without negotiation. It is within this shifting global landscape that Brazil must assert its voice.